quarta-feira, 8 de julho de 2015

Meu corajoso!

Miguel vem se queixando constantemente de dor abdominal. E feito muuuuuuuuuuuito, bom, vcs sabem: cocô. Levei no médico e pedidos de vários exames, incluindo exame de hemograma. Já me deu frio na barriga: o guri há anos não leva uma agulhadinha de nada (entendedores entenderão). Pensei: vou trabalhar com ele como era comigo (que fui furada milhões de vezes na infancia). Dói? doi. Muito? um pouco. Demora? não. Se ficar nervoso dói mais. Se tiver medo dói mais. Se não olhar dói mais. E vamos lá com o menino!

Chegamos na sala, o rapaz que tira sangue foi chamar alguém pra segurar. Eu pensei que fosse segurar alguma coisa, sei lá. Nem liguei.

Torniquete, abre e fecha a mão, fecha a mão e não abre. "O tio vai furar tá, é essa a agulha." E lá vai agulhada. 
Miguel tem uma crise de hiperventilação. Respira rápido e raso e eu digo: calma meu amor, já tá terminando, respira fundo e devagar, já vai acabar, eu to aqui contigo, pronto acabou.
Recebe os parabéns porque nem chorou e foi muito corajoso. Eu abro a porta e uma moça estátua parada na porta me pergunta: "ué?! nem chorou?! eu aqui pronta pra entrar na hora do berreiro!"
Não amiga, ele não chorou. Ele é muito corajoso e enfrenta seus medos. Ele respira fundo e vai na fé.
Saiu todo orgulhoso com seu curativo de bichinhos pra mostrar pra todos os amigos da escola e contar que nem dói muito tirar sangue. E nem precisa ser "segurado" por ninguém. 

Alias, essa história de precisar "segurar" vai render outro post. As pessoas acreditam muito pouco na capacidade das crianças né? E resolvem como? Na marra. Mas disso eu faço mais em outro post. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Há quase 5 anos

(Vou escrever relatando o que senti e vivi naquelas últimas horas gestando meus meninos. Não quer dizer que eu sentiria tudo da mesma forma novamente, e nem que tenha sido ruim ou bom. Foi como foi, e sou
grata ao caminho que trilhei. Isso não me impede de ver que poderia ser diferente, se eu fosse diferente. Aquela já não existe.E nem essa existirá amanhã.)

Lembro bem daquela última noite gestando. Eu não havia agendado a cesariana, mas há mais de 15 dias vinhamos acompanhando com cardiotocos e ultras quase diários o desenvolvimento dos meninos, que insistia em acusar "abaixo do percentil 10". Não havia muito o que fazer. Deveria fazer repouso, me alimentar bem, ficar atenta à movimentação intra-útero e aguardar qualquer sinal de maturidade (deles, a minha só teria uns 40 dias depois). Somado a isso, tive prurido gestacional, uma espécie de reação do corpo aos hormônios da gravidez. Eu me coçava inteira e tenho até hoje cicatrizes pelo prurido.

mais ou menos 5 meses.
mais ou menos 7 meses

15 dias antes do nascimento deles. por volta de 34 semanas.

Era um mês de março quente. Lembro de ficar no ar condicionado e com dois ventiladores, compressa gelada sobre os locais da coceira e ainda assim suar bicas.

Lembro também de ir fazer os exames reclamando muito. Não porque fosse chato (e era). Não porque aumentasse minha ansiedade (e aumentava). Não porque eu sabia, no meu coração, que estava tudo bem (e eu sabia). Mas porque eu estava tão entregue ao "lugar comum", ao "trabalhei até o dia de ganhar", ao "saí do trabalho e fui pro hospital", que eu achava muito porre ter que parar meus trabalhos para ir lá "perder" uma manhã fazendo exames. Eu não me orgulho disso.

Lembro que sentia muitas dores na pelve, e no corpo todo pelo inchaço. Lembro de sentir muitas contrações, sem dor e sem ritmo (pródomos). Lembro de aguardar ansiosa o tampão. Lembro de ter medo de fazer cocô e parir os filhos na privada (oh ignorância, como se fosse assim!). Lembro de estar tão cansada. De me sentir tão "coitadinha". Lembro de martelar em mim mesma: "gravidez de risco". E lembro de nem assim eu parar para cuidar de mim e dos meus filhos.

Estávamos com um projeto atrasado e eu cismei que só poderia parar quando finalizasse esse projeto. Passava a maior parte do tempo trabalhando no computador, apesar de muito inchada e irritada. Naquela noite fiquei até mais tarde trabalhando porque ia fazer uma ultra de manhã cedo e queria parar depois disso. Dormi mau, acordando de hora em hora e precisando de um guincho pra levantar. Acordei ainda pior. E fui.

36 semanas e alguns dias. Crescimento "abaixo do percentil 8". Placenta ok. Cordão fluxo ok. Bolsa aminiótica ok. Baixa na quantidade do líquido aminiótico. Duas circulares de cordão no gemelar 2. Os dois cefálicos.

Fomos pra casa e a primeira coisa foi ligar para o obstetra.
- "aham, tá... então vai tomar um café bem reforçado, com frutas, pão, leite, se abastece. Te encontro as 14.00 no hospital"
- "ai Dr., pra quê? não quero ir lá de novo"
- "hj seus bebês vão nascer, estava só esperando um sinal. a baixa do LA foi esse sinal."

(isso, isoladamente não seria indicação de cesariana. nem sei se no quadro geral seria. penso que poderia ter induzido o parto. mas honestamente, mais de um mês com restrição de crescimento, mesmo com tudo o mais ok. eu não havia estudado nada. eu não conhecia a indução de parto. eu tinha medo. muito medo. e fui pro hospital.)

aí vc pensa: finalmente ela vai parar né? terminar de arrumar a bolsa, sei lá. Nãaaao, querida amiguinha. Eu voltei pro computador e só parei porque deu 13.00 e todo mundo me xingou porque eu ainda não tinha ido tomar banho.

Tomei banho. Escovei cabelo. Me maquiei (aham, eu fui dessas, mimjulguem). E fui.

As 15.00 meus filhos nasceram.
E daqui pra frente eu já contei em outro post.

primeiros minutos de vida

primeira vez que peguei meus filhos no colo

reconhecendo meu bebê



  



roupa de prematuro ficando imensa!

Primeira mamada efetiva





dormi muitas noites assim.. e sinto muita saudade!



opa... parece que alguém dormiu... e não foi o bebê













Conto isso hoje, porque fazem 5 anos. Conto porque gostaria de ter vivido isso diferente, apesar de saber que naquela época eu não poderia viver isso diferente. Conto porque a cada véspera de aniversário deles eu relembro minuto a minuto. E me emociono. Não é nostalgia. Não é saudade. Não é culpa. Mas é forte, é real, é intenso.

Naquele dia meu mundo mudou. Naquele dia eu morri e renasci. Naquele dia minha vida começou. Naquele dia eu descobri o universo inteiro no meu colo. Naquele dia, com aqueles dois chorinhos, com aqueles dois ratinhos. Naquele dia.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Como me descobri doula, ou por que doula agora?

Hoje é o dia da DOULA. Neste fim de semana eu fui certificada como DOULA pela DONA Internacional. Então hoje eu vou contar como eu me descobri doula. Sim, porque ninguém se torna uma doula. A gente já nasce doula, só que as vezes demora a descobrir. A história é longa, então busca um chá e senta confortávelmente.
                Eu fui uma adolescente muito normal. Até por volta dos 16 anos dizia que queria ter 6 filhos. 3 vezes gêmeos. Conforme fui crescendo alguma coisa mudou e eu passei a dizer que não queria filhos. Nenhum. Nunca. Não estava disposta a abrir mão da minha vida/carreira/casamento/sexo por um ser que ia me sugar até minha morte. Sim, era bem forte e eu sentia isso mesmo.
                Casei com 19 anos e durante 7 anos nem cogitei a possibilidade de engravidar. Aos 26 eu passei ver essa possibilidade não como o vampirismo de uma vida, mas uma possibilidade de amar. Nasceu o filho de uma amiga querida, o Francisco, que me adoçou muito. Nasceu minha sobrinha, Ana, que de tão meiga e amorosa fez brilhar a luzinha de maternidade. Depois de alguns dias com ela (que mora em São Paulo) eu me permiti pensar na possibilidade de engravidar. E engravidei. Uma única oportunidade e eu estava grávida. No início eu chorei, surtei, pirei, não queria, me bateu um desespero, tudo ficou cinza e apavorante. Aí veio a notícia que seriam gêmeos e tudo passou. Foi como se eu recebesse o recado: tu pediu quando adolescente e com a alma ainda pura, taí teu presente pra vida.
                 Tive uma gestação bem dodói. Fui uma gestante "de risco" (que não existia realmente, só na minha cabeça). Estudei sobre rotina, sobre amamentação, sobre personalidade e individualidade dos gêmeos, mas não sobre como eles nasceriam. Acreditava que o nascimento deve ser uma passagem tranqüila, serena, amorosa. Acreditava que o nascimento devia ser em casa, sob o aconchego do lar, com a energia única de quem vive ali e que ia deveria se estender assim íntimo até os 50 dias. Nessa época Gisele (a modelo) havia parido seu filho em casa e eu dizia: "ai, como eu queria que meus filhos nascessem em casa, mas eu não sou a Gisele e não tenho uma UTI na porta (um mito enorme que me fez sequer cogitar buscar informação segura)". Meus filhos nasceram de cesariana, por suspeita de RCIU (restrição de crescimento intra uterina) com 36 semanas, 1.900kg cada um. Eu não me emocionei no nascimento deles. Quando tomei a anestesia só pensava que estava inundando o corpinho puro dos meus filhos com remédio e drogas. Eles nasceram e ficaram muitas muitas muitas horas chorando no berçário longe de mim. Eu não vi seus rostinhos direito, não sabia se eram idênticos e a quem eu perguntava se estavam bem, se eram grandes, o peso, tamanho, cor de cabelos e olhos, se iriam pra NEO, sequer me respondiam direito. Eu estava sozinha pois meu marido não quis/pode entrar e minha acompanhante não chegou a tempo. E ninguém esperou. Eu estava sozinha no nascimento dos meus filhos.
                Ficou dentro do meu coração a sensação de que algo estava muito errado. Não era pra ser assim e eu queria e precisava de uma nova chance. Meu corpo precisava se limpar, precisava receber todos aqueles hormônios. Meu corpo, minha vagina precisava sentir o bebê passar por ele. Eu precisava parir para poder seguir. Eu estava decidida a ter mais filhos, quando os gêmeos tivessem 5 anos.
                Um mês depois de os gêmeos terem completado um ano, eu me descobri grávida. Não, eu não fiquei feliz. Eu só pensava: agora não! eu não to pronta, meu corpo não consegue parir agora, meu útero ainda não se recuperou, eu não posso parir agora. E rechacei qualquer possibilidade de pensar num VBAC. Não li, não pesquisei, eu pensava que tinha tido gêmeos, que meu útero havia se distendido demais e que não era como uma gestação normal que poderia parir em seguida. Eu senti dores na cesariana todos os dias. Eu senti dores no corpo todos os dias. Eu chorei até descobrir que era uma menina. Eu me isolei e escondi a gravidez. Eu me sentia dodói, como na primeira gestação. Catarina nasceu com 36 semanas, 2.650kg. Nasceu de madrugada, as 3 horas da manhã, e eu estava sozinha de novo (desencontros de idas e vindas pra buscar mala, fazer internação, etc). Novamente, eu recebi minha filha sozinha. Dessa vez não aceitei tricotomia, enema, pedi sonda só depois de anestesiada, e disse que queria minha filha ao meu lado na recuperação. Foi um pouco melhor.
                Passou um ano, ela foi pra escola, e eu tive tempo pra trabalhar. Voltei a ler sobre parto, sobre violência obstétrica, fui lentamente descobrindo o mundo da humanização do nascimento. Eu lia a palavra DOULA, achava que sabia o que era e ficava por isso mesmo. Um dia, lendo um blog que eu amava, a palavra doula brilhou na tela. Fui buscar saber o que era. E fui lendo. Fui lendo. Fui lendo. Foi uma catarse, uma hipnose, uma avalanche. Pesquisei cursos, pesquisei quem eram, pesquisei sua atuação. Uma luz abriu na minha frente. Era isso!!! Foi isso que eu procurei a vida toda. Eu quis ser sacerdotisa, para servir às pessoas. Eu quis ser arquiteta pra levar beleza pra vida das pessoas. Eu fiz cursos religiosos me aprofundando nesses temas. Fiz faculdade e abri um escritório de arquitetura com esta finalidade. E nada daquilo funcionava porque não era daquele jeito que devia ser. Tudo que eu havia estudado e lido até aquele momento sobre servir, sobre se doar, sobre estar disponível, sobre beleza, sobre arte, sobre amor, era pra me levar até aqui, até a doula. As minhas experiências de solitude eram pra me trazer até aqui.
                Encontrei uma doula na minha cidade. Iniciamos as Rodas de Gestantes e Mães, ganhei uma amiga e uma irmã de alma. O curso não saía, não conseguia me desligar dos meus filhos por tantos dias. Até que consegui tomar coragem e fui fazer um curso para doulas e parteiras com a Naoli Vinaver. Quanto aprendizado. Quanto crescimento. Quanta cura naqueles 3 dias.
                Na volta, alguns poucos meses depois, a doulamiga Fabíola ficou doente e não pode acompanhar uma parturiente em seu trabalho de parto. Eu fui atender juntamente com a enfermeira da equipe, Gabriela. Posso dizer que tive uma das noites mais lindas da minha vida. Vi na minha frente uma menina se transformar em uma mulher. Vi materializado o amor e quase pude tocá-lo. Era tanto carinho, tanta alegria, tanto respeito, tanto amor, tanta transformação, que posso dizer que nasci de novo, junto com aquela família.
                Pouco tempo depois  novamente a doulamiga não pode acompanhar uma cliente e eu fui lá atender seu trabalho de parto e parto. O primeiro bebê que eu acompanhei nascer. Antonio. Lindo, fofo, esperto, gordinho, filho de uma mãe guerreira, forte, poderosa, determinada. Antônio nasceu e eu finalmente pari a doula. Pari ali, junto com a Camila e o Fábio, pari a mim.          
                Depois daquele dia, não havia mais dúvida. Aquele era meu caminho, aquilo era o que me movia. Estar com aquelas mulheres naquele momento tão especial, tão único, tão forte. Poder oferecer a elas aquilo que me faltou tanto e que me machucou tanto. Poder ser ao menos o olhar de carinho na hora de medo e dor. Poder estar com elas. Não deixá-las sozinhas.
                Faltava a certificação que veio agora em dezembro. Mais quatro dias de curso, certificação internacional, aprendizado, motivação, experiência, troca e cura.
                Algumas pessoas me perguntam por que eu sou doula, o que me move, que sentimento me nutre. Muitos sentimentos se misturam e me levam às doulagens. Mas um é mais forte.
                Não gostaria que ninguém mais passasse uma gestação perfeita se sentindo dodói por falta de informação. Não gostaria que ninguém mais sentisse medo e desacredite no seu corpo. Não gostaria que ninguém mais se sentisse perdida, confusa e oprimida pelo sistema obstétrico. Não gostaria que ninguém mais acreditasse no mito da UTI na porta e visse minguar seu sonho por um parto intimista. Não gostaria que ninguém mais recebesse seu filho sozinha. É para isso que eu sou doula. Para oferecer às mulheres e famílias aquilo que me faltou, e o que quer que venha a faltar a ela. É para servir a estas deusas que eu quero ser doula. É para servir a estas famílias, estes bebês, a estas MULHERES.
                Eu já nasci doula. Eu não me tornei doula. Eu sou assim, eu gosto de cuidar, gosto de me doar, gosto de servir, é assim que sou feliz e é assim que cumpro a missão que o Universo confiou a mim.